Sábado, 29 de Agosto de 2009

Sapatos Prada SFF

Se o Papa tem sapatos Prada, se a Meryl Streep pode, quem somos nós para ficar colados à montra como pobres diabos? Sim, digam lá, há justiça no mundo? Já sabemos que não, por isso, decidi entrar e fazer aquilo que é considerado louco e despropositado. Desci calmamente as escadas da loja maravilhosa, na esquina da Broadway com a Prince Street, no centro de Manhattan. Aceitei a flute de champagne, cruzei as pernas com elegância e falei baixo. Depois, as caixas começaram a chegar em pilhas equilibradas, tão lindas quanto o projecto de arquitectura que dá abrigo a estas coisas todas. Experimentei sapatos fechados, abertos à frente, com salto, compensados, em verniz, sabrinas e sandálias, botas altas e baixas. Olhei as pernas no espelho baixo, beberiquei o champagne, francês decerto.  Torci o nariz a estes e aqueles, experimentei o número acima, o número do meio. Passeei pela loja, do elevador redondo até ao espelho baixo, do espelho às estantes com as malas da nova estação.

Para os botões do meu casaco sem marca, penso que a crise é um momento de perigo e de oportunidade. Tenho mais sete centímetros enquanto desenvolvo o raciocínio. Sinto-me capaz de tudo. O empregado, impecável, vestido de preto, sapatos sem meias, calças com a bainha curta (diz-me que é a nova moda) concorda comigo: estes sapatos são uma “smart buy”.  Discutimos cores. Na nova estação, a elegância está na mistura do azul escuro com o preto. Conto-lhe que Giorgio Armani só se veste de azul escuro, apesar do mundo achar que é preto. O nosso italiano está muito à frente e veste azul carregado e escuro, como se o céu estivesse nele, pousado.

Ao fim de uma hora já sei o nome dele, o nome do namorado, como é que funciona a loja, como são avaliados a cada quinze dias, como é duro subir e descer escadas. Sorrimos os dois, cúmplices, ambos sabemos que não comprarei nada. Não faz mal. A loja está vazia. Eu tenho os pés pequenos e ele elogia-os. Também isso não faz mal, ele é gay. Vestido de Prada dos pés à cabeça. Absolutamente normal, portanto. 

(crónica publicada no Semanário Econónimo 29 de Agosto de 2009)

 

 

publicado por Patrícia Reis às 19:43
link | comentar

por este mundo acima_

Por este mundo acima

pesquisar neste blog_

 

arquivos_

Os Livros_

Clique na imagem

para comprar o livro.




















subscrever feeds